Neverwhere (Lugar nenhum) conta a história de Richard Mayhew, um rapaz bastante comum, que mora num apartamento alugado em Londres, tem um emprego burocrático e namora Jessica, moça elegante e intelectual. Até o dia em que socorre uma garota suja caída na rua, e de repente se vê envolvido numa aventura complicada em uma outra Londres, que fica sob a normal - e que abriga criaturas bizarras, improváveis, cruéis, patéticas. É lá, nesse lugar nenhum, limbo em que a existência fica suspensa e nada é o que parece, que a vida dele mudará radicalmente, e a garota, chamada Door, o fará transformar-se de um jovem inseguro num guerreiro capaz de sobreviver em ambiente hostil, entre intrigas e alianças políticas, confrontos sangrentos e traições pungentes.
Ler esse livro é um prazer imenso, pela fluência da narrativa, pelas referências intertextuais e pela empatia com as personagens; e o prazer se torna indizível para quem conhece Londres. As ruas da cidade, as praças e estações de metrô de repente têm seus nomes transformados em personagens; daí surgem trocadilhos ricos, saborosos e que provocam na gente aquele meio-sorriso de quem sabe que poucas pessoas entenderiam do quê a gente está rindo – sendo Neil Gaiman uma delas.
Essa cumplicidade autor-leitor é uma das forças de Gaiman. Como em outros de seus livros, Stardust, Deuses Americanos (American Gods) e Os Filhos de Anansi (Anansi Boys), Neverwhere apresenta um protagonista que desejaria apenas ser um sujeito comum e cuidar da sua vida, mas que pela força das circunstâncias é jogado em um universo ao avesso, fantástico, mirabolante, em que as regras são outras e a crueldade cai sobre os invasores com uma inevitabilidade dolorosa. Existem ecos dos outros heróis improváveis de Gaiman em Richard : Tristran Thorn, o garoto que só desejava encontrar uma estrela cadente e que acaba penetrando no reino de Faerie; Shadow, o ex-presidiário que só queria reencontrar a esposa mas que se envolve numa guerra implacável entre deuses de mitologias passadas e deuses do mundo globalizado; Fat Charlie, que só queria se ver livre da lembrança de seu bizarro pai, mas que descobre ser na verdade descendente de um deus ancestral e irremediavelmente ligado a um irmão estranho... Gaiman trata da perplexidade do homem comum (que, contudo, não era tão comum quanto acreditava ser) diante do inevitável, e das escolhas difíceis que tem de fazer. Esse é o elemento recorrente de todas essas obras. E é aquilo que nos agarra pela goela e não nos deixa fechar o livro enquanto a ficção não revela seus segredos ao leitor.
E que venham mais segredos e mais obras desse inglês doido, endoidecedor e senhor dos sonhos!
Um comentário:
Oi, Rosana!!!
Vim aproveitar pra te recomendar o filme de uma história do Gaiman, você já conhece? "Mirror and Mask". Ele é bem bonitão e também fala de uma pessoa normal que se envolve no outro lado dos mundos.
Aproveitando mais ainda, adicionei você nos links do meu blog, tudo bem?
Super beijo!
Yuri
Postar um comentário