sábado, 22 de dezembro de 2007

O Ano e a Onda...

Um ano não termina no dia trinta e um de dezembro, nem começa em primeiro de janeiro. Os anos são como as ondas do mar, que quebram na areia sem interrupção, sem a gente saber quando termina uma e começa outra...

Algumas são altas e ameaçadoras, outras são gentis e refrescantes, mas todas são mensageiras do mesmo imenso Mar; jamais cessarão, nunca deixarão de vir acariciar a praia.

Que esta passagem de ano seja uma nova onda que vem, suave porém poderosa, trazendo o grito de alegria das gaivotas e o perfume salgado dos lugares distantes. E que, mesmo que desmanche alguns dos nossos castelos de areia, ela nos leve a novas praias e a mergulhos mais profundos nos mistérios insondáveis do Mar.

A gente se vê em 2008, numa praia qualquer...

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Minha Coleção de Dragões


Os dragões estão se multiplicando aqui na masmorra...

Eu explico. Em 2005, fui à Inglaterra e, visitando o Castelo de Warwick, próximo à cidade de Birmingham, comprei o primeiro. É um dragãozinho de metal prateado, com uma pedra brilhante no peito e o ar feroz. Dei-lhe o nome de Duque de Warwick; e nem imaginava que ele seria o primeiro de uma série...

Aí fui à Escócia e, claro, trouxe uma miniatura de Nessie para casa. Fiquei pensando: um monstro, ameaçador, com corpo de serpente e vivendo no fundo das águas? Se não for dragão, é seu parente. E assim considerei Nessie meu segundo dragão. O terceiro foi uma miniatura do Nhoc Nhoc, meu personagem do livro infantil O Dragão Comilão. Com 3 dragões para começar, eu já tinha uma coleção! E outros foram chegando. Alguns são chineses, vieram da Liberdade; outros de feiras de artesanato ou de lojas de 1 real... O mais caro até agora foi um dragão com design do Todd McFarlane, que comprei na FAO Schwarz em Nova York. O mais barato foi o Errol, dragãozinho de gesso pelo qual paguei R$1,99, e que tem esse nome em homenagem a um personagem do Terry Pratchett (quem leu Guardas! Guardas! vai se lembrar...). O mais recente lembra o Ouroboros e é escavado em um medalhão de madeira, lindo! Este eu ganhei da Márcia Leite, uma amiga escritora.

Outros virão, certamente, e agora a única pergunta importante é: será que todos eles vão caber na minha masmorra?

Ah, e quem não acredita que eu tenho masmorra em casa, pode perguntar por aí... tenho sim, e apenas os muito corajosos se aventuram a descer aqui! Não apenas por causa dos dragões... mas essa já é uma outra história, para uma outra crônica.

sábado, 10 de novembro de 2007

Porto Alegre, Feira de Livros, Passeios, Autores...

Ir para Porto Alegre é fácil: sair de lá é que é difícil! E não estou me referindo apenas ao pesadelo que foi enfrentar atrasos em aeroportos e o caos em Congonhas e Guarulhos. O difícil é deixar aquela terra saborosa e cheia de amigos!

Fui este ano pela primeira vez à Feira do Livro de Porto, que acontece a céu aberto na Praça da Alfândega. Essa feira tem 53 anos, é só um ano mais velha que eu, e a experiência gaúcha em fazer esse tipo de evento se mostra nos detalhes. Livros que não acabam mais, crianças e jovens lotando as ruas e os galpões do Cais do Porto, onde se localizam as editoras de obras infantis e juvenis. Organização à toda prova, e autores de todos os cantos desse Brasil.

Tive a alegria de reencontrar e bater longos papos com escritores amigos de longa data, como Regina Drummond, Anna Cláudia Ramos, Ricardo Azevedo, Caio Ritter, Wagner Costa... e conhecer novos amigos, como os autores Hermes Bernardi Jr., Lenice Gomes e a cara Ieda de Oliveira, dona de um alto astral que me contagiou! Sem esquecer o reencontro com as amigonas Elaine Maritza e Nóia (só por telefone, mas deu pra matar as saudades da Nóia!). E falta ainda mencionar o pessoal da Ed. Ática-Scipione com quem estive: o Volnei, o Guerra, o Marcelo, a Adriana...

Como minhas idas ao Rio Grande do Sul, apesar de freqüentes, são corridas pelos apertados horários de trabalho, foi só desta vez que minha visão de Porto Alegre conseguiu se ampliar um pouco: agora não conheço mais apenas o aeroporto e o hotel!

Ciceroneada pela Regina, passei pela Bela Vista e conheci as igrejas de Santa Terezinha e a Catedral; vi o verde da Redenção e do Parcão; entrei no delicioso Teatro São Pedro e andei pelo Brique. Em companhia da Ieda, visitei o Mercado Municipal; e trocando idéias com a Lenice fiz o passeio de barco pelo rio Guaíba... Com o jovem Tiago, jogador de RPG e editor da Revista Digital Nível Épico, fui conhecer a Casa de Cultura Mário Quintana. O tempo colaborou e o calor se fez espantoso, com um céu azul de estarrecer e um sol de ferver a água do chimarrão.

Após as palestras e entrevistas, nos dias seguintes pude ir a Canoas, visitar colégios e autografar livros para crianças, além de visitar Lajeado e a Feira do Livro de Estrela, cidade acolhedora onde tive a alegria de conhecer o grande escritor Moacyr Scliar, com quem fiz a viagem de volta a Porto Alegre. Inesquecível a simpatia e a generosidade desse imortal (afinal, pertence à ABL!), que me contou histórias curiosas e peculiaridades de Porto Alegre e seu povo. Além de autografar um livro para mim, é claro!

De volta a São Paulo, já estou com saudades do churrasco e do calor daquela terra. Sei que já peguei muita chuva e frio de 0 graus por lá, mas o calor humano compensa, e muito, os eventuais invernos.

domingo, 4 de novembro de 2007

Loyola, São Luís, Livros e Bienais

Anteontem, no Caderno 2 do Estadão, o escritor Ignácio de Loyola Brandão – um dos sujeitos mais lúcidos que escrevem nestes nossos dias – publicou uma crônica falando sobre a 1ª Feira de Livros de São Luís. Acho todas as crônicas do Loyola saborosas e enriquecedoras para a alma; mas nesta, em particular, apreciei as palavras que descrevem São Luís e sua feira.

Estive em São Luís há dez anos, lançando meu livro Onde foi parar a luz da manhã?

Como Loyola, eu me extasiei com a beleza da cidade e a avidez por leitura do público ludovicense (mais uma que eu aprendo !) E não posso deixar de citar as palavras do cronista: São Luís é Patrimônio Histórico e o povo carinhoso recebeu com afeto os escritores e compareceu com entusiasmo à feira, muito bem localizada. Os maranhenses escolheram um lugar acessível a todos, bem servido por linhas de ônibus, diferente de São Paulo e do Rio de Janeiro. Também diferente foi a gratuidade. Ali não se pagou para entrar e ver livros, esse hábito detestável da bienal paulista.

Acertou na mosca o simpaticíssimo autor de Não verás país nenhum, livro que relançou há pouco e no qual tive a alegria de receber o autógrafo do autor. Está na hora de os profissionais da área questionarem a cobrança de ingresso ao que deveria ser uma grande festa de livros e público, mas que os caros ingressos – e os abusivos preços de estacionamento – tornam acessível apenas a uma parcela mínima do povo paulistano. Não se justifica cobrar para que se entre num pavilhão e se olhe vitrines e prateleiras lotadas de livros, tendo gastado com a entrada o que poderia ser dispendido com as leituras. Aí está o exemplo de São Luís, divulgado pelo Loyola, de que é viável, sim, fazer-se uma grande feira com o ingresso liberado a todos.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Vou pra Porto, bah, tri-legal!

Meu livro HQs, quando a ficção invade a realidade será lançado dia 7 de novembro, quarta-feira, na Feira do Livro de Porto Alegre.
O horário é 16 horas, no espaço das editoras Ática-Scipione.

Porto Alegre é uma cidade linda. Chegar lá de avião e sobrevoar
o Guaíba é uma delícia... Em Porto já morri de frio, com 0 graus e
manhãs enevoadas lembrando o fog de Londres.
Mas, com frio ou sem frio, a cidade é surpreendente
e o povo é extremamente caloroso. Tenho amigos queridos por lá!
Espero rever todos e matar as saudades do povo do chimarrão...

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Livrarias, a minha paixão

Tenho paixão por livrarias. Estar num lugar lotado de livros sobre tudo que é assunto me traz a sensação de que entrei numa espécie de mundo paralelo que remete a outros mundos paralelos... Lembram aquele lugar, nos livros do C.S.Lewis, que tinha lagos em que o personagem pulava, e cada um remetia a um universo diferente? Ou a aventura de Will e Lyra rasgando o tecido do tempo-espaço com a Faca Sutil, e entrando nos outros mundos?
Pois é bem assim que eu vejo as livrarias: cada livro que eu abro
me envia em Dobra 9 a milhares de novos universos...
A foto ao lado foi tirada na Livraria Cultura do Conjunto Nacional,
no dia do lançamento do meu HQs. Estão ali comigo alguns dos
muitos, muitos amigos que foram me prestigiar.
Essa livraria está rapidamente se tornando um dos meus
passeios preferidos. Não só ela é imensa e linda, como cada vez
que eu entro nela acho que os anjos colocam diante de mim
algum livro que eu preciso ter!
A primeira vez que estive lá arrebatei A Pedra do Reino,
do Suassuna, livro que eu cobiçava desde os anos 70 e que
nem sabia que estava na televisão...
Outra coisa interessante que me acontece é entrar em Sebos.
Eu acredito que existem anjos, ou bons espíritos, ou deuses,
que tomam conta dos Sebos. Cada vez que entro em um, eu
peço que me levem para onde devo ir... e sempre dá certo.
Imersa naquela imensidão de livros usados, alguma
coisa (ou alguém) me chama para um certo canto,
algum livro me chama a atenção sem querer... e voilà!
Eu encontro o livro de que mais preciso
naquele momento da minha vida.
Mágica? Pode ser, não sei.
Só sei que continuarei rato de sebos e livrarias até o fim dos tempos...

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

O Rio de Janeiro continua lindo...


Estive na Bienal do RJ 2007, e tive o prazer de
encontrar lá vários amigos.
Toda vez que eu vou ao Rio, não posso evitar
cantar o "Samba do Avião" do Tom Jobim.
Descer no aeroporto Santos Dumont
e ver a "água brilhando e a pista chegando" enquanto
a aeronave sobrevoa a baía de Guanabara, o Pão de
Açúcar, e pousa de frente para o Corcovado, me traz
grande emoção. Aquilo é lindo demais!
Infelizmente atravessar a cidade para chegar ao Riocentro
é uma das desvantagens da Bienal, pois tanto a Linha Amarela
quanto a Vermelha me dão um friozinho na barriga...
Tudo é compensado, porém, ao se participar de mais
uma festa em que a estrela é o Livro!
Muita coisa boa nos estandes da Bienal, muitos autores
e profissionais debatendo Literatura, é nesses
momentos que eu me sinto em casa, cercada por
milhares de volumes, alfarrábios, livros, livros, livros...
No ano que vem a Bienal é aqui em São Paulo,
mal posso esperar!

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Mágica, um Poeminha

Escrevi estes versos há muito tempo:

Às vezes fico pensando
se é verdade ou ilusão,
quando vejo aparecer
lenços e pombas sem fim
nas mãos vazias de um mágico;
e, quando firmo a visão,
nada resta em frente a mim...
É da manga que ele tira?
É tudo um truque, mentira...
Ou não?
Às vezes fico na dúvida
se é sonho ou realidade
quando das ordens de um mágico
caem moedas do ar,
surgem chamas à vontade;
e, quando torno a olhar,
não há nada em sua mão!
É só mentira, ilusão...
Ou verdade?

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Lançamento de livro: HQs



A Editora Scipione convida para o lançamento
do novo livro de Rosana Rios:

HQs - quando a ficção
invade a realidade


Dia 15 de setembro no Rio de Janeiro
das 14h30 às 15h30
Estande da Editora Ática-Scipione
Bienal do Livro no Riocentro - RJ

Dia 29 de setembro em São Paulo
das 14 às 17h30h
Livraria Cultura do Cj. Nacional
Av, Paulista, 2073 - São Paulo

domingo, 19 de agosto de 2007

Crônica de um Fernão dos anos 60






Eu estudei no Instituto
de Educação Fernão Dias Pais,
em Pinheiros. Na foto ao lado
estou usando o uniforme das escolas
estaduais da época...
e foi um período muito marcante.
Segue uma crônica que escrevi
homenageando minha "Alma Mater"...
o querido Fernão.

1967.
Eu: 11 anos de idade.
Meu cenário: o bairro de Pinheiros. 
A vida passada era uma infância tranquila, a despeito da turbulência política que desfilava insuspeita pelo pano de fundo de minha inocência. A vida à frente era uma vasta incógnita, e nem eu nem ninguém àquele momento suspeitava a amplitude da abertura de caminhos que o final de milênio descortinaria.

Única certeza da menina que migrava do Grupo Escolar Godofredo Furtado, na quieta rua João Moura, para o Instituto de Educação Fernão Dias Pais, na agitada Pedroso de Moraes: grandes mudanças estavam prestes a acontecer.
Eu havia passado por 6 meses do cursinho de admissão de dona Guiomar e dona Iolanda. Na sala de sua casa na rua Mateus Grou, preparara-me para o desafio, monstruoso aos 11 anos, de ser admitida aos mistérios dos Institutos de Educação...

Testemunho da qualidade do curso primário do Grupo, bem como do cursinho das duas irmãs, foi o fato de figurar não apenas entre os primeiros colocados no exame de admissão do Fernão, mas também no do Caetano de Campos. 
Pinheiros, porém, bairro amado da família, teve precedência: e a rua Pedroso de Moraes se tornaria ponto central em torno do qual eu gravitaria nos 7 anos seguintes.
Primeira Série A da manhã, 42 meninas vindas de diferentes Grupos, diferentes antepassados, diferentes costumes. Durante os 4 anos do Ginásio, com as naturais inclusões e exclusões, o cerne da turma permaneceu inalterado, e aquela lista de chamada gravou-se, quase indelével, na memória. A colônia nipônica era forte presença em Pinheiros; a lista, que se iniciava com Aiko, terminava com Yassumi. Recheada pelos mais díspares sobrenomes, em 1967 tinha início uma coleção de amigas que, se os anos separariam fisicamente, manter-se-iam unidas em espírito.

Pois as matérias aprendidas naquele Fernão dos anos 60 gravar-se-iam em nós indelevelmente.
Dos professores, alguns minha memória não deixa escapar. Dona Maria do Carmo e as exigências da Análise Sintática; dona Maria Rita, com quem cantamos Allons enfants de la patrie, le jour de guerre est arrivée, sem desconfiar que em Paris outros jovens estariam cantando a Marseillese ao som do estourar das bombas da polícia. Paris, para nós, era apenas o ponto com o qual Dona Deolinda nos ensinava a bordar... e, entre a descoberta da temível Matemática, e o Canto Orfeônico com as melodias singelas do professor Aricó Jr., a inesquecível dona Maria José irrompia na sala de aula descortinando-nos o mundo, entusiasmando-nos com a transformação das rochas ígneas em metamórficas, assombrando-nos com a descrição das ruínas de Pompéia, dos fiordes da Noruega e da garra dos holandeses que arrancavam seu país do mar. 

1967 passou e veio 68, com toda a efervescência em que o governo militar, o tropicalismo, a incerteza, o rock, o AI5, a contracultura e a puberdade nos mergulhariam. Em 69 ouvíamos os Beatles na rádio Excelsior, assistíamos a românticas novelas na incipiente TV Globo, líamos a Coleção das Moças na Biblioteca do Fernão e começávamos a conhecer a língua inglesa com o Let’s Learn English de dona Zilda. Ah, e decorávamos Castro Alves e Gonçalves Dias para os Jograis da aula de Português: Deus, ó Deus, onde estás que não respondes? Tu choraste em presençada morte? Em presença da morte choraste? Quantos textos declamados sob as luzes de lanternas cobertas com papel celofane colorido... superprodução emocionante, que os recursos informatizados de hoje não imitam!

A década de 70 iniciou-se com nossa entrada no mundo adulto: tínhamos 14 anos e as salas masculinas chamavam nossa atenção... Apenas no Colegial o Fernão nos permitiria o luxo das classes mistas. A timidez era a regra, apesar das nossas minissaias e dos nossos jornaizinhos, onde escrevíamos inocentes dissertações sobre dezenas de assuntos sérios a respeito dos quais pouco ou nada sabíamos.
Mas escrevíamos, não obstante.

O colegial começou a nos separar. Algumas partiram para outros colégios, outras mudaram de período; e tantas de nós iniciaram os primeiros namoros ali mesmo, no pátio amplo entre as árvores, os murinhos convidativos e a cantina. 
1973 trouxe a formatura e me viu deixar o Fernão. Pinheiros havia mudado: a rua Teodoro Sampaio, que em 67 ainda abrigava bondes e tinha duas mãos, agora era corredor de ônibus e centro comercial de intenso tráfego humano. O Fernão crescera e ganhara a estátua do bandeirante.

O uniforme fora trocado duas vezes, e o comprimento exigido das saias passara por tantas alterações quanto nossas flutuações hormonais adolescentes...
Estávamos prontas para tentar o ingresso no mundo universitário. E partimos daquele ponto comum rumo a outros lugares, próximos ou distantes, mas sempre desafiadores. Algumas de nós mantiveram contato; outras voaram mais longe e sumiram no horizonte. Porém não há nenhuma de nós, daquela Primeira série A de 1967, que possa negar a influência enorme que o Fernão teve em nossas vidas. 

Faz já 30 anos que deixei o Fernão, e às vezes ainda sonho que estou ali dentro, sentada em uma sala de aula; e é apenas nesses sonhos que um vislumbre da criança e adolescente que eu fui aflora em mim. Um não-sei-quê de entusiasmo, de esperança, de medo do desconhecido e de ansiedade pela abertura de caminhos que o futuro traz... Então acordo e lembro que não me sento mais em bancos escolares. 

Que pena. O meu Fernão ficou parado em 1973. Mas nunca será esquecido.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Entrevista para a Gazeta do Povo, de Curitiba - ago 07


Há alguns dias fui entrevistada pela jornalista Luciane Horcel, da Gazeta do Povo, de Curitiba. Segue aqui o texto integral da entrevista; parte dela saiu na edição de 02 de agosto de 2007, com o título: Literatura Fantástica - Uma Porta para Outro Mundo.

Vc já participou de eventos, seminários de literatura fantástica, não é? Conte sua ligação com essa área.
Sou autora de Literatura Infantil e Juvenil, trabalhei por 11 anos como roteirista de programas infantis nas TVs Cultura, Bandeirantes e Record. Como autora, já publiquei 93 livros ao longo de 19 anos de carreira. Nessa trajetória de ficcionista, a Literatura Fantástica é não apenas fundamental na minha bagagem de leituras, mas é matéria-prima para meu trabalho: a fantasia, o mito, o folclore, tudo isso me alimenta e permeia o que escrevo. Como tenho muitos amigos que atuam na área de literatura, quadrinhos, eventos, acabo participando desse mundo de acontecimentos que incluem palestras, oficinas e encontros que têm a fantasia como ponto central. Sou também owner de um Grupo de Estudos de Literatura Fantástica, que começou na Internet com um grupo de amigos e tem rendido muita troca de idéias e até parcerias de trabalho.

Como é possível definir um livro como literatura fantástica? Quais são as características desse gênero?
Segundo Ítalo Calvino, em seu livro "Contos Fantásticos do Século XIX", o que define a essência da literatura fantástica é o confronto entre a realidade do mundo que conhecemos através da percepção, e a realidade do mundo do pensamento - aquilo que imaginamos. Dessa "trombada" entre o real e o imaginário, entre o cotidiano e o que-quem-sabe-seja-possível, surgem as histórias de outros mundos, de seres fantasiosos, de acontecimentos sobrenaturais... então na verdade sob esse rótulo de "Fantástico" teremos subgêneros tão díspares quanto as histórias de terror, os épicos de fantasia, as obras conhecidas como "Espada e Feitiçaria", além dos gêneros ancestrais: os mitos e contos folclóricos, em que o fantástico é constante. Há estudos na Internet que definem dezenas de subgêneros da ficção fantástica. Chegar a uma lista consensual é quase impossível...

Quais são os elementos recorrentes em uma literatura fantástica? Um mundo diferente? Seres estranhos?
Há obras que se espelham em pioneiros como Tolkien, que criou o mundo das suas histórias, Arda, para criar também outros universos com características próprias e seres que habitariam neles. Isso é comum ainda entre autores de ficção científica, que podem idealizar um planeta (ou vários) e escrever de acordo com as leis que regem o planeta
criado. É o caso de "Duna", de Frank Herbert, um clássico da FC e que se passa num mundo específico e obedecendo a leis específicas; ou do "Guia do Mochileiro das Galáxias", de Douglas Adams, uma sátira fantástica. Mas uma obra fantástica pode também se passar no nosso mundo normal, desde que no enredo ocorram fatos que as leis normais da Natureza não expliquem (ou pelo menos que não expliquem agora; com os avanços da tecnologia talvez haja explicações no futuro). Histórias que lidam com elementos míticos e folclóricos, magia, vampiros, fantasmas, super-poderes... tudo isso pode ser considerado ficção fantástica.


Analise as principais literaturas fantásticas da atualidade.
"O Senhor dos Anéis" é a grande obra fantástica do Século XX, e que marcou o imaginário dos leitores com um mundo cheio de elfos, anões, magos e uma luta épica para livrar o mundo de um domínio maligno. O grande detalhismo com que Tolkien construiu a narrativa, seu estilo peculiar de escrever, que faz o leitor se sentir parte da Terra-média, serviu de inspiração para várias gerações de autores. Harry Potter é só mais uma das séries que bebeu nas fontes de mestre Tolkien. Antes de J.K.Rowling, ja encontrávamos outras obras em que o protagonista é um garoto aprendiz de magia, como na série Mundos de Crestomanci, de Dianne Wynne Jones, ou os Livros da Magia, no s quadrinhos de Neil Gaiman.
O grande trunfo de Rowling foi publicar o primeiro Harry Potter num mundo de leitores sedentos por fantasia; aqui no Brasil, por exemplo,na época em que HP foi lançado, a maioria dos editores não publicava nada ligado ao fantástico; hoje, ao ver o potencial de vendas de uma obra que brinque com magia, mitos e outros elementos ancestrais, todos querem publicar fantasia.

Eragon é outro livro surgido não apenas com inspiração em Tolkien (como fica óbvio pela presença na história de elfos e anões...), mas também inspirado em aventuras de RPG, Role-Playing Games. Existem dezenas de títulos que nasceram diretamente das mesas de RPG, começando com obras de Steve Jackson e Ian Livingstone, e que são consumidos por aficionados por esse tipo de jogos. Bons exemplos são a série Dragonlance, de Margareth Weiss e Tracy Hickman. Trata-se de um mundo em que existem dragões e cavaleiros de dragões, de mais uma luta entre dominadores e dominados.
Aliás, o uso da fantasia e da ficção científica para metaforizar a luta humana pela liberdade é uma constante, e está presewnte não apenas em Tolkien mas em grandes clássicos como "1984", de George Orwell, "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, e outros - sem esquecer da HQ clássica de Alan Moore, "V de Vingança", que rendeu um filme nos últimos anos.
Já a série "A Mediadora", de Meg Cabot, se inscreve em uma lista enorme de autores que lidam com o fantasmagórico, as relações entre nosso mundo e o mundo dos espíritos. Quase todos os autores românticos escreveram contos de fantasmas: podemos traçar uma linha do tempo que vai de E.T.A. Hoffmann e Edgard Alan Poe até Stephen King, passando por Balzac, Dickens e Sheridan Le Fanu.

Mas no mercado hoje existem muitas outras obras de fantástico que surpreendem, como a maravilhosa trilogia "Fronteiras do Universo", de Phillip Pullman (e que em dezembro estréia no cinema com atores do calibre de Nicole Kidman e Daniel Craig), a série Artemis Fowl, do irlandês Eoin Colfer, os hilariantes livros da série "Discworld" de Terry Pratchett, as incursões pela literatura do próprio Neil Gaiman, e várias outras...

Há clássicos fantásticos? Podemos considerar O Pequeno Príncipe, A história Sem fim, Dom Quixote como obras fantásticas ou não? Há algum clássico fantástico? Fale sobre isso.
Sim, algumas obras se tornam clássicas pela grande aceitação do público através dos séculos. Obras como "O Pequeno príncipe", "O menino do dedo verde" e "Fernão Capelo Gaivota", que fizeram sucesso na década de 1970 podem ser considerados ficção fantástica clássica dedicada ao público juvenil, com toques filosóficos. O mesmo pode ser dito de "O Mundo de Sofia", de J. Gaarder, que em meio a uma viagem pela história da filosofia traz elementos de fantasia também. Já a obra-prima de Michael Ende, "A História sem Fim", assim como "O Mágico de Oz", "A Fantástica Fábrica de Chocolate" e os contos de Hans Christian Andersen se inserem nessa galeria de grandes clássicos do fantástico.
"Dom Quixote" é outra história. Não há fantástico nesse livro, a não ser nas narrativas dentro da narrativa... ele é a grande obra literária de língua espanhola, que satiriza justamente o excesso de fantasia, criando um personagem que enlouqueceu de tanto ler fantasia! Esse é um clássico da Literatura que não pode ser classificado em um gênero ou outro, é uma obra-prima e ponto final.

Há quem diga que a literatura brasileira não possui obras fantásticas na área juvenil. Isso é verdade?
Pelo contrário, a Literatura Juvenil Brasileira é riquíssima e cheia de exemplos excelentes de trabalho com o fantástico. Para citar apenas alguns nomes, podemos lembrar Júlio Emílio Braz, Marina Colasanti, Lygia Bojunga Nunes... São muitos os autores brasileiros que lidam com o fantástico, eu inclusive.

Os livros de Murilo Rubião são considerados literatura fantástica, mas são bem diferentes de livros como Harry Potter, Eragon...
No caso de Rubião e de outra precursora desse gênero no Brasil, Dinah Silveira de Queiroz, eu diria que temos uma literatura mais ligada a outro subgênero, este bem peculiar da América Latina: o Realismo Mágico. Também é fantástico, mas sob outra roupagem, outra maneira de ver o mundo (ou os mundos), como se pode apreender da leitura de Gabriel Garcia Márquez, por exemplo. A força da literatura de Márquez mostra como ele (e outros autores latinos, como Rubião, Queiroz e até Isabel Allende) deram importância ao fantástico sem perder o pé da realidade.

Você escreve livros de literatura fantástica, não é? Fale sobre a criação das histórias? Como acontece a inspiração? Os principais temas?
Escrevo para crianças e jovens, e com tantos livros publicados, é difícil definir temas, pois tudo serve de inspiração para se escrever uma história. Quando escrevo, não digo a mim mesma "Oh, hoje vou escrever um texto fantástico ou uma história que fale de tal assunto"... Os personagens e as aventuras vão surgindo, nascendo da necessidade de
escrever que faz parte da vida de todo autor. Viver sem criar, sem dar vida a personagens que estão aqui, dentro da cabeça da gente querendo sair, seria
impossível. Claro que grande parte dos meus livros lida com elementos da fantasia: posso citar como exemplos "O Último Portal", da série "Segredo das Pedras", (ed. Companhia das Letras) escrito em parceria com Eliana Martins; esse fala num mundo
subterrâneo onde as leis são bem diferentes do nosso, mas que pode também influir em nosso mundo. Tenho os infantis "O Monstro monstruoso da caverna cavernosa" (ed. DCL), "O Outro lado da história" (ed. Moderna), "Ninho de Mafagafos" (ed. Saraiva), "A vassoura voadora e os brigadeiros de chocolate" (ed. Studio Nobel), entre outros.
Estou lançando agora o livro "HQs - quando a ficção invade a realidade", pela Ed. Scipione. Ele fala sobre a possibilidade de os personagens de quadrinhos viverem num mundo paralelo ao nosso. Tudo isso nasce da minha paixão pelos livros em geral, e pelo fantástico em particular.
Olá, este é o meu espaço. Aqui eu posto artigos, textos, poemas e notícias relacionadas com os meus escritos.
Para conhecer o meu site, visite também www.segredodaspedras.com
Bem-vindos!

Rosana Rios