sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Meu livro ILUMINURAS e a Consciência Negra

O feriado de hoje comemora a Consciência Negra. E eu sempre reflito que, com esta pele branca que me obriga a usar filtro solar cada vez que boto o pé na rua, sempre me espanta ver fotos dos meus avós e bisavós. É óbvio, ao ver certos traços físicos nos retratos dos parentes que já se foram, que no meu DNA tem genes africanos; disso não tenho a menor dúvida.
Será que vem daí meu fascínio pela Mãe África? Ou será que é apenas empatia, que vem das tantas leituras que se empilham na bagagem interior da minha alma? Não sei. Mas, de um jeito ou de outro, esse fascínio por tudo que é africano aparece em vários dos meus livros, e se tornou óbvio neste que é o mais recente: "Iluminuras", publicado pela Lê Editora.
Então, para comemorar este 20 de Novembro de 2015, em que se pensa na Negritude e se tenta extirpar velhos preconceitos, deixo para degustação dos leitores um trecho do livro.

    O esconderijo nos arredores da Vila, uma vala entre arbustos, não era profundo, mas foi suficiente para que os quilombolas ocultos vissem os cavalarianos passarem rumo à encruzilhada. Os olhos espertos de Rahim divisaram um dos tropeiros orientando os soldados.
    – Agora? – ele perguntou ao líder, assim que os soldados sumiram.
    – Logo – respondeu Akin, ocupado em tirar faíscas da pederneira.
    Como calculara, os tropeiros haviam dado o alerta sobre o assalto ao chegarem à Vila, no dia anterior, mas a resposta dos fidalgos fora lenta. Só um dia depois o Capitão-mor enviara cavalarianos em busca dos quilombolas e da carga roubada. Só encontrariam rastros: quando chegassem ao rio, os fugitivos já estariam no quilombo com os mantimentos e animais.
    Nesse meio tempo, a Vila ficaria pouco guardada.
    O Ayo saiu da vala e ordenou o ataque. Os homens o seguiram em silêncio, agora armados com os arcabuzes roubados – embora alguns, como Rahim, preferissem facões e lanças.
    Akin podia ver nos olhos do Hauçá o gosto pela guerra, que ele não compartilhava. Já vira sangue demais, morte demais... Tornou a acionar a pederneira e acendeu algumas tochas. Quando os primeiros moradores os avistaram, gritou, incitando os quilombolas a atacar.
    Aos berros, espalharam-se pelas ruas de terra no rumo da igreja matriz, tocando fogo em telhados de palha seca e derrubando os homens que lhes aparecessem à frente.
    A confusão foi total. Como esperavam, a surpresa atrasou a resposta dos cavalarianos e deu tempo aos atacantes para fazerem um bom estrago. Quando os soldados apareceram para combatê-los, Akin havia deixado Rahim no comando dos homens e se esgueirado para um casarão que era seu verdadeiro objetivo.
    Saltou com facilidade a cerca viva nos fundos e se escondeu atrás de um galinheiro. Ouvindo as vozes de fidalgos, criados e agregados da casa nas salas da frente, ecoando a comoção que tomava a Vila, seguiu para um pequeno anexo à grande cozinha.
    – Quem é? – a voz fraca, feminina, veio da escuridão do cômodo sem janelas.
    – Sou eu, Iyá1 ele andou no escuro em direção à voz.
    Acostumando o olhar às trevas, Akin divisou, no fundo do quartinho, o rosto da mulher. Parecia muito mais velha que quando a vira pela última vez, na fazenda nas Geraes, antes da fuga; custara a descobrir onde vivia, agora. O rosto enrugado sorriu e os olhos cegos brilharam.
    – És tu, omadê2. António. Sabia que ias voltar.
    Ele se aproximou com reverência. Tomou as mãos da idosa escrava nas suas.
    – Vim por ela, Iyá. Tua neta não vive lá nem cá, pelo que sei. Onde vou achar Oluremi?
    Um suspiro veio do peito fraco da cega.
    – Ah, omadê, tu sabes que não somos nada nas mãos do branco. Esquece dela. Minhas duas netas vieram com a mudança para o sul, mas não quentaram lugar. Sinhá tem muito escravo aqui, deu Iraê e Oluremi de presente para parenta importante dela.
    O ódio ressoou no peito de Akin. Já vira muitas vezes os cativos serem tratados como animais, mas pensar em sua linda Oluremi sendo presenteada como um objeto fez a raiva lhe transbordar dos olhos. Para onde a teriam levado, agora?
    – Como chama a parenta, onde vive? Vou atrás.
    – Tu vais atrás é de Iku – retrucou ela. – Da morte.
*
1Mãe.
2Menino.
Iluminuras, Capítulo 3.
 Texto de Rosana Rios / Ilustras de Thais Linhares. BH: Ed. Lê


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